sábado, 26 de março de 2011

O Ébrio

Fotografia: George Vale


"Tornei-me um ébrio na bebida..." ao ouvir aquele vozeirão vindo do começo da rua, eu corria e ficava na janela à observar aquela curiosa figura, sempre de paletó, gravata frouxa, cabelo bem cortado, sapatos bem lustrados e sempre a tombar. Era baixo, meio corpulento e, mesmo bêbado, não perdia o prumo, o peito sempre aberto como quem não tem medo de nada. Geralmente meu dia começava assim, com a voz dele. É começo dos anos setenta; nessa ápoca eu morava em uma rua próxima ao Alto do Louvor, mas esse nome não significava muito para mim, mesmo com as caras de "valha meu Deus" que minha vó fazia ao olhar para aquelas "bandas".
O nome do bêbado em questão era Miolo... na verdade nunca soube de seu nome verdadeiro; existia algumas lendas sobre sua vida e, uma delas era de que vivia daquele jeito por gosto, que tinha família mas preferia a vida de boêmio, e como cantava... tenho a voz dele nítida na minha memória. Na minha inocência de criança de cinco anos eu me perguntava porque alguém preferiria viver dequele jeito; minha avô tinha uma expliação:"O que é de gosto, regala a vida!".
Pois bem, num desses paseios dele eu estava na calçada com meu avô, então ele pediu
permissão para cantar uma música para mim... nossa, não sabia se sentia medo ou alegria... então ele começou: "Oh que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais..." tenho essa lembrança como um quadro pintado.
Então os anos se passaram, mudei de endereço, cresci e passei um tempo esquecida da minha infância. Alguns anos atraz eu passava em uma rua próximo de onde morava e vi um velho dormindo em uma calçada, sujo, vestido de farrapos, engraçado como esses tipos chamam minha atenção, então me proximei olhei de perto... não pude acreditar... era Miolo! nem de longe lembrava aquele boêmio de elegancia desleixada... estava tão vulneravel, tão decrépto... aquilo me doeu sinceramente e chorei. Chorei minha infância, meus avos já mortos, minha antiga rua... e chorei por ele que era uma figura lendária em minha memória.
Algum tempo depois ele se foi. Hoje eu tenho orgulho de ter conhecido Miolo. As vezes eu me pergunto se apenas eu vou lembrar de sua poderosa voz.





Por Michelli Fábia

Um comentário:

  1. Pessoal, vocês estão de parabéns, fiquei encantada ao assistí-los no memorial na sexta feira.Sou amiga da Bianca e espero que abram oficin em breve, quero que minha filha de 11 anos entre para o teatro, então mantenham seus fãs informafos!!

    Um forte abraço e fiquem com Deus!

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